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CONTRATO DE TRABALHO REFORMADO.

 

A nova entidade patronal não pode prevalecer-se do conhecimento posterior à contratação de que o trabalhador já era reformado para invocar a caducidade do contrato.

 

Sendo as pensões de reforma acumuláveis com rendimentos de trabalho, nada impede a eventual contratação de trabalhadores reformados, ficando o respetivo vínculo sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação. Com efeito, nada na lei impede que um trabalhador reformado seja, posteriormente, contratado sem termo por uma outra entidade patronal, como se verificou no caso concreto. É que quando a lei estabelece expressamente a conversão em contrato sem termo nos casos de permanência do trabalhador ao serviço após a sua reforma por velhice sem que, no entanto, o seu vínculo tenha caducado por reforma, não menciona a situação do trabalhador que é contratado quando já está reformado. E o facto de a entidade patronal ter sabido da condição de reformado do trabalhador apenas depois da sua admissão em nada altera o seu vínculo, porquanto tal desconhecimento apenas a si poderá ser imputável, no eventual caso de esse aspeto ser relevante para a contratação. De todas as formas, nunca poderia prevalecer-se desse facto, do conhecimento posterior à contratação da situação de reforma do trabalhador, para invocar a caducidade do contrato, pois esta só opera relativamente ao contrato de trabalho que então vigorava entre as partes, sendo irrelevante, para esse efeito, quanto àquele que foi celebrado quando o trabalhador já detinha esse estatuto. Assim, vigorando entre as partes um contrato de trabalho por tempo indeterminado, a comunicação da entidade patronal sobre a caducidade do contrato configura um despedimento, que é ilícito por não ter sido precedido de processo disciplinar. DANOS NÃO PATRIMONIAIS. Para obter a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador em consequência de despedimento ilícito não basta alegar e provar que o despedimento causou abalo moral, angústia e tristeza, pois, por regra, quase todos os trabalhadores vítimas de despedimento ficam abalados, angustiados e tristes, sem que tal justifique, só por si, a atribuição de uma indemnização.

Para mais informação contactem o Gabinete Jurídico da ACECOA.

 Disposições aplicadasL n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (revisão do Código do Trabalho) (JusNet 308/2009) art. 348.1; art. 389.1

 DL n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966 (Código Civil) (JusNet 1/1966) art. 483.1; art. 496.1

Jurisprudência relacionada

 Em sentido equivalente:

TRL, Secção Social, Ac. de 1 de Outubro de 2008 (JusNet 5029/2008)

Texto

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

AA veio instaurar a presente acção declarativa com processo comum contra BB, SA., pedindo que:

1 seja declarado ilícito o despedimento do A.;

2 seja a Ré condenada a pagar ao Autor:

a. a quantia de EUR 6.580,50 a título de indemnização em substituição da reintegração;

b. a quantia de EUR 2.000,00 a título de indemnização por danos morais;

c. as remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente acção;

d. a quantia de EUR684,50 a título de remuneração e subsídio de alimentação referentes a Dezembro de 2011, após deduzidos os respectivos descontos legais; e

e. juros de mora à taxa legal.

Alegou para tanto, e em síntese, que celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a Ré em 23/2/2004 e que foi renovado até à conversão em contrato sem termo. Porém a Ré comunicou-lhe, em 22/12/2011, a caducidade do contrato de trabalho com fundamento no conhecimento, em 16/12/2011, da situação de reforma do A.

Alega que a situação de reforma do A. era conhecida da R. à data da sua admissão, pelo que a comunicação da caducidade do contrato com base nesse fundamento e na data referida equivale a um despedimento sem justa causa, sendo, por isso ilícito.

A perda abrupta do rendimento causou-lhe enorme sofrimento emocional.

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a Ré contestou, sustentando que só teve conhecimento da situação de reforma do Autor em Dezembro de 2011, tanto que, desde a sua admissão, procedeu aos descontos para a Segurança Social à taxa normal, e não à devida (e menor) quanto a trabalhadores reformados, pelo que o contrato teria caducado dentro do prazo legal, concluindo pela improcedência da acção.

Mais alega que o salário de Dezembro de 2011 só não foi pago porque o Autor não compareceu na empresa para o receber.

Deduziu ainda pedido reconvencional reclamando o pagamento da quantia de EUR6 554,20 correspondente à quantia que a Ré teve de pagar a mais pela contribuições que liquidou à segurança social a mais, por não ter sido informada pelo Autor da sua situação de reformado.

Respondeu o A. à matéria da exceção, alegando que a Ré sempre teve conhecimento que o Autor se encontrava reformado e que foi impedido de aceder, acompanhado, às instalações da Ré para receber os seus créditos, pelo que esta se constituiu em mora.

Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgados incompetentes, em razão da matéria, os Tribunais do Trabalho para conhecerem do pedido reconvencional formulado pela Ré, pelo que o Autor foi absolvido da instância, dispensando-se a fixação dos factos assentes e da base instrutória.

Realizou-se o julgamento com observância das formalidades legais, tendo sido fixada a matéria de facto, sem reclamações.

Após foi prolatada a sentença, na qual foi exarada a seguinte

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência a Condeno a R. BB, SA. a pagar ao A. AA  a quantia total de EUR562,54 (quinhentos e sessenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de créditos laborais vencidos à data da cessação do contrato, quantia acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data do vencimento da retribuição e subsídio de refeição de dezembro de 2011 e até efectivo e integral pagamento;

b Absolvo a R. do demais peticionado pelo A.

Custas, na proporção do respectivo decaimento, a cargo do A. e R. (Art. 446º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Inconformada, interpôs o Autor recurso desta decisão, no qual formulou as seguintes:  

CONCLUSÕES

(…)

Contra-alegou a Ré sustentando a bondade da decisão impugnada.

Subidos os autos a esta Relação e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pela respectivas conclusões (arts.    ), são as seguintes as questões suscitadas:

1. impugnação da matéria de facto;

2. (i)licitude da cessação do contrato.

II – FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:

1 A Ré uma sociedade comercial anónima cuja actividade consiste na prestação de serviços de segurança privada, instalações eléctricas, manutenção de material e de equipamento de segurança na prestação de serviços de segurança e vigilância.

2 Ao Autor foi admitido ao serviço da Ré em 23 de Fevereiro de 2004, com a categoria de “Vigilante”, exercendo funções por conta, sob orientação e instruções da R.

3 O Autor desempenhou as suas funções de vigilante em diversos locais, sendo o último dos quais no Odivelas Parque.

4 Tinha um horário de segunda-feira a sexta-feira das 08 horas às 16 horas, e ao sábado das 08 horas às 13 horas, com folga ao domingo.

5 No ano de 2011, o Autor auferia uma retribuição base ilíquida de EUR641,93 e, ainda, um subsídio de alimentação no valor mensal de EUR125,18.

6 O Autor foi trabalhador do Hospital Pulido Valente, em Lisboa, até Junho de 2001.

7 Em 25 de Junho de 2001, o Autor foi reformado da função pública, tendo consequentemente passado, desde então, à situação de pensionista da Caixa Geral de Aposentações.

8 Por comunicação escrita dirigida pela Ré ao Autor e que este recebeu em 22 de Dezembro de 2011, o Autor foi informado da alegada caducidade do contrato de trabalho com efeitos imediatos e nos termos do art. 343º c) do CT.

9 No início de Dezembro de 2011 solicitou à Segurança Social que informasse qual a situação dos seus trabalhadores nascidos entre os anos de 1938 a 1955, dado que existiam alguns reformados nascidos dentro deste período de tempo que continuavam a prestar serviço para a R., tendo o Centro Nacional de Pensões confirmado a reforma do A. por email de 12/12/2011;

10 A Ré solicitou ao Autor que entregasse na sede daquela o documento comprovativo da atribuição da reforma por velhice, alegando para tanto, que apenas precisava conferir se os descontos legais obrigatórios estavam a ser efectuados correctamente; o Autor entregou à Ré o documento solicitado no dia 16 de Dezembro de 2011.

11 Na sequência da recepção da carta referida em 7., o Autor entregou o fardamento em 26 de Dezembro de 2011, cessando nessa data as suas funções.

12 A Ré ainda não pagou ao Autor nem a retribuição, nem o subsídio de alimentação, respeitantes ao mês de Dezembro de 2011.

13 O Autor recebe de pensão da Caixa Geral de Aposentações a quantia ilíquida de EUR932,12.

14 O agregado familiar do Autor é composto por si, por sua mulher, igualmente reformada com uma pensão ilíquida de EUR 681,85 e uma filha, estudante do ensino universitário, que não aufere qualquer rendimento, vivendo por isso exclusivamente a expensas dos seus pais.

15 O despedimento do Autor provocou-lhe um profundo abalo moral, angústia e tristeza, uma vez que se viu inesperada e repentinamente privado de uma parte significativa do seu rendimento mensal, ficando com dificuldades para suportar as despesas com alimentação, vestuário, luz, água, gás, despesas de saúde e despesas escolares do seu agregado familiar;

16 Bem como a prestação no valor de EUR 426,78, decorrente de contrato de empréstimo bancário para aquisição de veículo automóvel, que o Autor assumiu em Setembro de 2007.

17 A R. apenas teve efectivamente conhecimento da passagem à situação de reforma do A. em 16 de Dezembro de 2011.

18 A R. pagou desde sempre à Segurança Social a taxa correspondente ao regime geral – actualmente de 34,75% (23,75% a cargo da empresa e 11% a cargo do trabalhador) – ao invés da taxa aplicável aos trabalhadores reformados – actualmente de 23,90% (16,40 a cargo da empresa e 7,5% a cargo do trabalhador).

19 Tendo nascido em 14 de Março de 1950, o trabalhador possuía, no momento da sua admissão ao serviço da R., 54 anos de idade.

20 As retribuições e subsídios de alimentação sempre foram pagos pela Ré ao Autor através de ordens de transferência para a conta bancária do Autor.

III – APRECIAÇÃO

1. Da impugnação da matéria de facto

(…)

2. Da licitude (ou ilicitude) da cessação do contrato de trabalho

O Apelante vem sustentar que a sentença recorrida errou na apreciação jurídica da causa, alegando que não se encontram preenchidos os pressupostos legais para que a Apelada pudesse, validamente, invocar a caducidade do contrato de trabalho celebrado com o Autor.

A sentença recorrida concluiu que o contrato de trabalho cessou, por caducidade, com o conhecimento pela Ré da situação de reforma do trabalhador e comunicada a este dentro dos 30 dias subsequentes, nos termos dos arts. 343,c) e 348,nº1 do CT/09.

Vejamos.

Decorre da factualidade assente que o Autor foi admitido ao serviço da Ré em 23.2.04, para exercer funções de vigilante, por conta e sob a orientação e instruções desta.

Ora, ao tempo da outorga deste contrato estava em vigor o CT aprovado pela Lei 99/2003, de 18.2, preconizando o seu art. 10º que “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e orientação desta”.

Não há pois dúvida que, entre as partes, foi então estabelecido um contrato de trabalho que, não tendo sido reduzido a escrito, foi celebrado por tempo indeterminado.

Mais se provou que, por escrito remetido pela Ré e recebido pelo Autor em 22.12.11, aquela comunicou-lhe que “(…) tendo tomado conhecimento em 16 de Dezembro de 2011 do deferimento da sua pensão de velhice, vimos por este meio e nos termos do artigo 343, c), do Código do Trabalho (JusNet 308/2009), comunicar a V.EXª. que caduca nesta data o contrato de trabalho celebrado com esta empresa”.

Ora, perante esta matéria de facto, adiantamos já que a situação em apreço configura um despedimento do Autor que, não tendo sido precedido de processo disciplinar, se deve reputar de ilícito.

Vejamos porquê.

Dado que o vínculo estabelecido entre as partes cessou em 22.12.11, a disciplina aplicável é a do regime consignado no CT aprovado pela Lei 7/09, de 12.2 (JusNet 308/2009) (cfr. art. 7º, nº 1 desta lei).

Dispõe o art. 343, c) do CT que o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.

Por sua vez, sob a epígrafe ” Conversão do contrato a termo após reforma por velhice ou idade de 70 anos”, preceitua o art. 348 do mesmo diploma:

1. Considera-se sem termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorrido 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice.

2. No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especialidades:

a) É dispensada a redução do contrato a escrito;

b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;

c)  A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador,

d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.

(…)

Esta norma corresponde, com ligeiras alterações de redacção, ao art. 392 do CT/03 e já estava anteriormente contemplada no art. 5º, nº1 da LCCT.

Dela resulta que, se um trabalhador por conta ou ao serviço de uma entidade patronal alcança o estatuto de reformado, nada impede que continue a trabalhar ao serviço da mesma entidade patronal, mas a sua permanência ao serviço, decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes contratantes, da situação de reforma daquele, faz com que ao contrato seja aposto um termo resolutivo, ficando sujeito, com as necessárias adaptações, ao regime previsto para o contrato a termo, embora com as especialidades ali previstas.

A questão mais duvidosa, que é a que se reportam os autos, é a de saber se o trabalhador que atinge a reforma ao serviço de uma entidade patronal, celebra um contrato de trabalho com outra entidade patronal.

Será que este novo contrato fica, também ele, sujeito ao regime previsto no nº1 do art. 348 do CT/09?

Sobre esta questão já se pronunciou o STJ nos Acs. de 7.2.07 e 27.5.10, disponíveis em www.dgsi.pt.

Neles se afirma que o disposto no art. 5º, nº1 da LCCT, correspondente ao nº1 do art. 392 do CT/03 e nº1 do art. 348 do CT/09, apenas se aplica aos trabalhadores que permaneçam ao serviço da mesma empresa, o que decorre da sua própria redacção e do regime específico ali contemplado.

Quanto à natureza do vínculo estabelecido com trabalhadores já reformados à data da contratação, mais se decidiu que sendo as pensões de reforma acumuláveis com rendimentos de trabalho, nada impede a eventual contratação, por terceiros, desses trabalhadores, ficando o respectivo vínculo sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo. Contudo, logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que o contrato caduque, o mesmo converte-se em contrato de trabalho a termo.

É também este o entendimento, na doutrina, de Júlio Vieira Gomes (Direito do Trabalho, vol., pág. 932) que, contrariando o entendimento de Pedro Romano Martinez, refere que “Não são, na nossa opinião, convincentes os argumentos aduzidos por Pedro Romano Martinez no sentido de que a norma também se aplicaria caso se celebrasse um contrato de trabalho com um trabalhador reformado”, acrescentando “Temos, no entanto, sérias dúvidas quanto a esta interpretação. Em primeiro lugar, ela não tem, na nossa opinião, o mínimo de apoio no teor literal da norma, mínimo de apoio que deve ter qualquer interpretação para se manter dentro dos quadros das regras sobre interpretação da lei previstas no Código Civil. O n.º 1 do artigo 392º fala expressamente da permanência do trabalhador ao serviço após a sua reforma por velhice e o n.º 3 refere a circunstância de o trabalhador atingir os 70 anos de idade sem que, no entanto, o seu vínculo tenha caducado por reforma; não se menciona pois a situação do trabalhador que é contratado quando já tem 70 anos ou já está reformado por velhice. Mas, e sobretudo, não é pacífica a teleologia destas normas. Haverá razões para que o Código só contemple a situação do trabalhador que se reforma por velhice ou atinge uma certa idade ao serviço de uma empresa e para que só nesse caso o seu contrato se converta em contrato a termo? Na nossa opinião, pode responder-se pela afirmativa. A idade avançada não tem os mesmos efeitos sobre todos os indivíduos e as suas repercussões no contrato de trabalho dependem de múltiplos factores, entre os quais, as próprias funções exercidas e os riscos que elas envolvem, bem como o grau de aptidão física e de concentração e rapidez de reflexo que pressupõem», acrescentando, noutro passo, que «quando o empregador decide contratar um trabalhador “externo” que já tem 70 anos ou que já está reformado por velhice: aqui a empresa expõe-se ao risco, sendo certo que poderá frequentemente reduzir tal risco, seja através da contratação a termo pelas regras gerais, seja porque também para isso existe o período experimental.

Subsiste, é certo, aquela desigualdade a que se refere Pedro Romano Martinez de poderem coexistir numa empresa trabalhadores que por terem atingido os 70 anos ao serviço desta ficam contratados a termo por força da lei e trabalhadores que porque já tinham, por hipótese, 70 anos quando foram contratados poderão sê-lo por tempo indeterminado. Mas resta saber se essa desigualdade não será antes consequência do artigo 392º ser, ao que tudo indica, e à luz do disposto no artigo 383º, n.º 1, absolutamente imperativo, sem que vislumbremos um interesse público tão forte que o justifique.

De qualquer modo, estabelecer um regime segundo o qual qualquer contrato de trabalho celebrado com trabalhador com 70 ou mais anos é forçosamente um contrato a termo, dá o flanco à acusação de discriminação. E mesmo aceitando que tal discriminação não existiria porque a diferenciação visaria um fim de ordem pública – por exemplo a criação de emprego para os mais jovens – tal medida haveria que ser necessária e proporcional, não se podendo pois atingir o mesmo escopo através de uma medida menos drástica. Questão que também nos suscita as maiores dúvidas…”.

Com todo o respeito por orientação contrária, propendemos para aceitar o defendido por este autor, na medida em que se nos afigura ser o que tem em conta não só o elemento literal da lei, mas também o teleológico, para além de ser o que se nos afigura mais equilibrado e conforme com outro princípios igualmente vigentes na nossa ordem jurídica, designadamente o da liberdade contratual, previsto no art. 405 do CC.

Nada impede assim, a nosso ver, que um trabalhador que atingir o estatuto de reformado ao serviço de uma entidade patronal, seja, posteriormente, contratado sem termo por uma outra entidade patronal, como se verificou no caso concreto.

E não se diga que a situação dos autos é diferente, uma vez que ficou provado que a Ré só posteriormente à admissão do Autor teve conhecimento que, nessa altura, o trabalhador já tinha o estatuto de reformado.

Esta circunstância, quanto a nós, pouco relevo tem. Com efeito, esse desconhecimento só a si poderá ser imputável, na medida em que, caso entendesse que esse aspecto era relevante na contratação (para estabelecer quer o regime do contrato, quer o regime contributivo aplicável) podia e devia ter indagado esse facto junto do Autor ou questionado o Centro Nacional de Pensões, conforme o veio a fazer posteriormente. Não pode é pretender prevalecer-se desse facto (conhecimento posterior à contratação da situação de reforma do trabalhador) para invocar a caducidade do contrato, pois esta só opera relativamente ao contrato de trabalho que então vigorava entre as partes, sendo irrelevante, para esse efeito, quanto àquele que foi celebrado quando o trabalhador já detinha esse estatuto.

Veja-se, neste sentido, o Ac. desta Relação de 1.10.08 (JusNet 5029/2008), que se reporta a uma situação idêntica à dos autos, em que a ora relatora interveio como adjunta, e em que agora não se vê razão para divergir.

Assim, vigorando entre as partes um contrato de trabalho por tempo indeterminado, a comunicação da Ré a que alude o ponto 8 da factualidade assente configura um despedimento, que é ilícito por não ter sido precedido de processo disciplinar.

Assiste pois á Autora o direito de receber uma indemnização em substituição da reintegração, pela qual optou, que se fixa em 30 dias de retribuição base, atendendo, por um lado ao valor relativamente baixo da retribuição e, por outro, ao mediano grau de ilicitude da cessação, determinada pela inexistência de processo disciplinar. Para esse cômputo deve atender-se ainda ao período que mediar entre a data do despedimento e a data do trânsito em julgado deste aresto, que não se liquida já por se ignorar a data exacta em que tal irá acontecer.

O Autor tem igualmente direito às retribuições que normalmente auferiria desde a data do despedimento e a data do trânsito em julgado do presente acórdão, conforme o determinam os arts. 389, nº1, a) e 390 do CT/09, tudo sem prejuízo das deduções previstas no nº2 da segunda norma citada, sendo certo que a acção deu entrada em juízo no dia 19.02.2012, o que implica que, de acordo com a al.b) do nº2 do art. 390, tal compensação só seja devida a partir de 20.12.12 (30 dias antes da instauração da acção).

O Autor reclamou ainda a condenação da Ré no pagamento de EUR 2000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais por ele sofridos em virtude do despedimento ilícito de que foi alvo.

A este propósito, ficou provado:

13 O Autor recebe de pensão da Caixa Geral de Aposentações a quantia ilíquida de

EUR932,12.

14 O agregado familiar do Autor é composto por si, por sua mulher, igualmente reformada com uma pensão ilíquida de EUR 681,85 e uma filha, estudante do ensino universitário, que não aufere qualquer rendimento, vivendo por isso exclusivamente a expensas dos seus pais.

15 O despedimento do Autor provocou-lhe um profundo abalo moral, angústia e tristeza, uma vez que se viu inesperada e repentinamente privado de uma parte significativa do seu rendimento mensal, ficando com dificuldades para suportar as despesas com alimentação, vestuário, luz, água, gás, despesas de saúde e despesas escolares do seu agregado familiar;

16 Bem como a prestação no valor de EUR 426,78, decorrente de contrato de empréstimo bancário para aquisição de veículo automóvel, que o Autor assumiu em Setembro de 2007.

A reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos trabalhadores, em consequência de despedimento ilícito, encontra-se expressamente prevista no art. 389º, n.º 1 do CT/09, havendo lugar a ela sempre que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483º, n.º 1 e 496º, n.º 1 do Cód. Civil, ou seja, sempre que o despedimento seja considerado ilícito, culposo e cause danos não patrimoniais ao trabalhador que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Ora, revertendo ao caso concreto, afigura-se-nos que os factos demonstrados, traduzidos no abalo moral, angústia e tristeza, porque insuficientemente caracterizados, não permitem concluir pela existência de danos não patrimoniais indemnizáveis.

Para tal não basta alegar e provar que o despedimento causou danos não patrimoniais, não basta alegar e demonstrar que o despedimento causou abalo moral, angústia e tristeza. Por regra, todos ou quase todos os trabalhadores vítimas de despedimento ficam abalados, angustiados e tristes, mas estas situações não justificam, só por si, a atribuição de uma indemnização. É necessário que essa angústia e tristeza sejam graves, e para aferir essa gravidade é necessário caracterizar, com elementos de facto concretos, cada uma destas situações; é necessário alegar e demonstrar que cada uma destas situações causou ao trabalhador danos relevantes, isto é, danos graves, pois, como resulta do art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil, o juiz na fixação da indemnização deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Quer isto dizer que só quando o trabalhador demonstre que sofreu danos não patrimoniais graves, em consequência de um despedimento declarado ilícito ou da violação culposa dos deveres contratuais, por parte da entidade patronal, é que o mesmo tem direito a ser indemnizado, por força do disposto nos arts.389, n.º 1 do CT e 483º e 496º, n.º 1 do Cód. Civil.

No caso em apreço, está provado que o Autor foi ilicitamente despedido pela Ré; está provada a culpa desta (uma vez que não foi ilidida a presunção prevista art. 799º, n.º 1 do Cód. Civil), está provado que o despedimento causou abalo moral, angústia e tristeza, mas em relação aos danos concretos provocados por essas situações e à gravidade destes danos nada foi alegado nem provado. Não existem elementos de facto nos autos que nos permitam determinar os danos concretos, a dimensão, a duração e a gravidade desses danos em relação ao Autor.

Dir-se-á que a situação económica do Autor e da sua família deve ser valorada nesta sede. Importa, no entanto, atentar no ponto 14, segundo o qual o Autor recebe de pensão mensal da CGA a quantia ilíquida de EUR932,12 e que a sua mulher, igualmente reformada, dispõe de uma pensão mensal de EUR681,25, o que atenua fortemente as consequências negativas que, normalmente a esse nível, o despedimento acarreta para um trabalhador comum, pelo que permanece a dúvida insanável de saber quais os reflexos de índole psicológica e emocional que essa quebra mensal de rendimentos poderá ter provocado no Autor.

Sendo assim, e pelos fundamentos expostos, deve improceder a apelação na vertente agora abordada dos danos não patrimoniais.

Procede, pois, apenas parcialmente a apelação.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, pelo que se revoga a al.b) do dispositivo e, em sua substituição:

b) declara-se que a cessação do contrato de trabalho dos autos configura um despedimento ilícito e, em consequência, condena-se ainda a Ré a pagar ao Autor:

1. uma indemnização, em substituição da reintegração, correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção, atendendo ao tempo decorrido desde o despedimento até à do trânsito em julgado do presente acórdão;

2. as retribuições que deixou de auferir desde 20.12.12 até ao trânsito em julgado do presente acórdão, com as deduções referidas ainda nas alíneas a) e c) do n.º2 do artigo 390º do Código do Trabalho; (JusNet 308/2009)

3. os juros de mora vencidos sobre cada uma das retribuições intercalares desde a data do respectivo vencimento e sobre a indemnização de antiguidade desde a notificação à Ré do presente acórdão e vincendos até efectivo pagamento, à taxa legal, tudo a liquidar em execução de sentença,

c) absolver a Ré do demais peticionado.

Custas provisórias pelo apelante e pela apelada em partes iguais, cujo rateio definitivo deverá ser feito após a liquidação.

 

Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 9 Jul. 2014, Processo 696/12

JusJornal, N.º 1978, 9 de Setembro de 2014

JusNet 3946/2014

Lisboa, 9 de Julho de 2014

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